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terça-feira

"Starship Troopers": would you like to know more?

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Ano: 1997
Realização: Paul Verhoeven
Argumento: Edward Neumeier baseado no livro de Robert A. Heinlein
Fotografia: Jost Vacano
Montagem: Mark Goldblatt e Caroline Ross
Música: Basil Poledouris
Elenco: Casper Van Dien, Dina Meyer, Denise Richards, Neil Patrick Harris, Patrick Muldoon, Jake Busey, Clancy Brown e Michael Ironside
IMDB


Para começar esta crítica como deve ser, temos que dizer duas coisas. A primeira é que Paul Verhoeven é um dos melhores realizadores em actividade. Posto isto, a segunda observação é que “Starship Troopers” (Soldados do Universo em português) é um dos filmes mais inteligentes que tivemos oportunidade de ver sobre os mecanismos da guerra e sem dúvida o melhor filme do seu realizador (o que não é dizer pouco).

Um filme fascista, really?

De facto, é engraçado relembrar, passados quase sete anos desde a estreia, como foi acolhido o filme pela crítica e uma boa parte do público. Ouviu-se de tudo na altura e sobretudo as maiores barbaridades vindo da crítica dita “profissional”. A pior de todas foi mesmo tratar o filme de obra fascista ou nazi e acusar os seus instigadores de fazerem uma apologia a tais doutrinas abjectas.

Quem conhece um mínimo do cinema de Verhoeven e um pouco da sua biografia, o que era de esperar duma crítica dita “profissional”, não pode caucionar um minuto tais afirmações.
O filme passa-se num futuro distante, onde a sociedade assenta em regras militares, e segue o percurso de um grupo de jovens apenas saídos da escola, para se tornarem cidadãos, vão se alistar nas forças armadas sem saberem que está prestes a começar uma guerra entre a humanidade e uma raça de aliens insectos.


Este filme de ficção científica inspira-se do livro homónimo de Robert A. Heinlein, célebre escritor americano do género, aqui adaptado por Ed Neumeier que já tinha trabalhado com Paul Verhoeven em "Robocop" (outra obra-prima subversiva, diga-se de passagem). Primeiro aspecto a salientar, é que o filme explora por completo o seu conceito, que é de ser ao mesmo tempo um verdadeiro filme de ficção científica, com tudo o que isso implica de cenários futuristas, naves, extraterrestres, etc., e uma profunda reflexão sobre os nossos tempos utilizando a técnica da metáfora muita própria aos filmes desse género.
A isto tudo, vem-se juntar a chamada “Verhoeven's touch” que vai transformar um excelente filme de ficção científica em verdadeira obra-prima onde se mistura o grande espectáculo da acção e a análise pormenorizada dos perigos e contradições da nossa sociedade. O “holandês violento” utiliza aqui tudo, tudo o que torna o seu cinema indispensável, para abalar o espectador, fazê-lo pensar e sentir-se desconfortável com os sentimentos contraditórios que vai experimentar ao longo do filme.
A ironia, o sarcasmo, o cinismo, os vários níveis de leitura, a crítica aos Estados Unidos, a ambiguidade, as falsas aparências, a técnica perfeita, a extrema violência, todas as características dos filmes de Verhoeven estão aqui no seu auge e o realizador atinge o nível máximo na sua arte de filmar.

Na realidade, sob a aparência de um blockbuster de ficção científica simplista, o filme analisa os mecanismos da guerra via a sua forte componente política. Verhoeven atira-nos à cara da forma mais virulenta possível que a guerra faz de qualquer pessoa um fascista. Para conseguir transmitir a sua mensagem, o realizador vai então multiplicar as referências aos filmes de propaganda da 2ª guerra mundial como também aos vários documentários existentes sobre esse evento. O início do filme é uma referência directa  ao “Triumph of the Will “ da Leni Riefenstahl, filme de propaganda nazi de 1934, anunciando logo à partida as intenções do realizador. De resto, os filmes de propaganda americanos e ingleses tentando convencer a juventude a entrar na 2ª guerra mundial é que foram as referências principais.

Aliás, todo o esqueleto narrativo está construído à volta desse conceito de propaganda denunciando a cada instante as constantes “lavagens de cérebro” praticadas por um governo omnipotente através de uma selecção da informação, traduzida pelas intervenções dos media ao longo do filme. O único canal existente, “Fed Net” no filme, lembra-nos “Big Brother”, inventado por George Orwell para o seu “1984”, no seu papel de instrumento de manipulação das massas. Sem falar nas óbvias referências à CNN na sua cobertura nomeadamente da guerra do Golfe como mais uma crítica à sociedade americana.

Carne para canhão

Prova também da vontade do realizador de inscrever o seu filme na realidade da guerra, são as nítidas semelhanças com imagens históricas dos confrontos da 2ª guerra mundial. A aterragem das aeronaves no planeta Klendathu e o respectivo desembarque dos soldados é uma clara reminiscência do desembarque da Normandia, até na maneira de filmar. As tropas utilizam as mesmas técnicas, as mesmas estratégias, como por exemplo nas cenas de bombardeamentos pelas naves do território inimigo que apresentam surpreendentes similitudes com verdadeiros bombardeamentos de aviões que aparecem em documentários de guerra.



Aqui é preciso referir que Verhoeven viveu a sua infância durante a 2ª guerra mundial (nasceu em 1938) e o realizador refere muitas vezes várias lembranças dessa época como bombardeamentos muito próximos da sua casa e a penúria de alimentos que sofreu. Não há dúvidas que Paul Verhoeven ficou intensamente marcado por essa experiência e que a mesma definiu em grande parte o seu estilo de cineasta. A violência extrema que utiliza como modo de narração e a sua visão negra do ser humano derivam directamente disso. Verhoeven até chegou a fazer documentários militares quando estava na tropa, daí o seu conhecimento profundo deste assunto, que já tinha explorado no seu filme “Soldier of Orange” (Holanda, 1977), um dos mais belos filmes de guerra jamais feitos, e que permitiu dar tanta autenticidade a este “Starship Troopers” apesar de ser um filme de ficção científica.

Um dos grandes interesses do filme é também a ambiguidade que o cineasta cultiva ao longo da história, facto que em grande parte lhe valeu a injusta chacina crítica que sofreu.

De facto, Verhoeven joga constantemente entre o cinismo e a crítica acerba das nossas sociedades modernas, sobretudo americana. Primeiro, o filme descreve à priori uma sociedade perfeita. No início do filme, o que vimos é uma sociedade onde supostamente há pouca criminalidade, não há racismo, não há sexismo. Os jovens são todos bonitos e perfeitos, com um estilo uniformizado. Aliás os actores foram escolhidos precisamente nessa base, em função do físico e para serem o mais transparentes possíveis. A primeira meia hora é digna de um episódio do “Beverly Hills” ou “Melrose Place” com jovens desmiolados envolvidos em intrigas amorosas, só mesmo o Paul Verhoeven para fazer uma coisa destas!
Mas aos poucos, vamos começando a perceber que há algo de errado nesta sociedade. Quase todos os adultos estão mutilados deixando pensar que esta sociedade se construiu a partir de um historial de conflitos bélicos. O discurso dos professores prende-se sobretudo no tema da violência, transmitindo-nos que a mesma representa a suprema autoridade que resolve todos os problemas. Por outro lado, as passagens televisivas fazem propaganda para o serviço militar, fazem publicidade para execuções de condenados à morte a ser transmitidas em directo, mostram putos com armas como se fosse uma coisa positiva e vemos que algures noutro planeta existe um princípio de conflito com uma raça de insectos gigantes sem razão aparente.


Neste momento, o realizador já nos tem onde queria porque não sabemos muito bem o que pensar desta sociedade, em aparência um modelo de sucesso mas podre nas suas fundações onde se juntam as ideias mais nojentas e os princípios mais amorais. Mas o “pior” está para vir. Enquanto cada vez mais as personagens principais aparecem completamente estúpidas e poluídas pelo modelo da sociedade onde se inserem, a guerra com os insectos é declarada depois dos mesmos terem destruído por completo a cidade de Buenos Aires.
Aqui, e apesar de ser dito claramente que os insectos foram invadidos primeiro pelos humanos, não podemos deixar de sentir uma vontade incontrolável de arrebentar com esses malditos insectos todos, ao mesmo tempo que somos assaltados por um prazer culpado ao ver estes soldados, mais abrunhos uns dos que outros, serem chacinados à grande. E o massacre vai continuando em crescendo quando chega a cena mais arriscada do filme. Um dos protagonistas principais, que tem poderes psíquicos e que faz parte do chamado serviço de inteligência (!?!) militar, aparece claramente vestido com um fato similar aos fatos da Gestapo. Sabendo que esta personagem representa normalmente o clã dos bons, esta visão é assustadora e a mensagem não podia ser mais clara: “a guerra transforma-nos todos em fascistas”. Não podemos então deixar de nos sentir culpados ao termos prazer e vontade de ver esses insectos todos decimados, aqui está uma das muitas ambivalências do filme.

Pax ou War Americana?

Outro nível de leitura é a clara crítica muita dura à ideia de Pax Americana. O filme opera uma óbvia assimilação entre o comportamento do governo fictício da história à política estrangeira recente dos Estados Unidos. A constante ingerência do governo americano em vários países (Médio Oriente, Panamá, Vietname, etc.) ao longo dos anos é aqui severamente atacada. Aliás, terem escolhido insectos como inimigos no filme não é inocente e representa bem a ideia que em qualquer guerra, o inimigo precisa de ser desumanizado para ser aniquilado. Relembremos as imagens da guerra do Golfe no princípio da década de 90 onde víamos bombas a cair em alvos não definidos tipo jogos de vídeo. E é engraçado de ver que, apesar do filme ter sido feito em 1997, continua a ser infelizmente extremamente actual porque pode ser perfeitamente comparado com as últimas campanhas americanas no Afeganistão e sobretudo no Iraque, onde foi nítido a necessidade americana de arranjar um inimigo à força toda. A cena final quando os soldados apanham o “Brain Bug” e após uma leitura telepática dos seus pensamentos, alguém grita: “Está com medo” com os aplausos das tropas todas é assustadoramente parecida com a captura do Saddam Hussein, a conferência de imprensa com os respectivos aplausos e as imagens da inspecção do prisioneiro. Paul Verhoeven é definitivamente um visionário.


A acrescentar à espectacular riqueza temática do filme, temos ainda uma quantidade de momentos antológicos, o que ainda acentua mais todos os paradoxos que integram o filme porque o realizador consegue mesmo assim fazer um formidável filme de acção como raramente vimos antes e depois, apesar de toda a ambiguidade do argumento.
Com a ajuda de uns efeitos especiais inovadores e perfeitos de Phil Tippett, temos direito a chacinas espectaculares de inúmeros insectos e soldados. A cena do primeiro assalto ao planeta Klendathu está de arrasar e a destruição da nave “Roger Young” está também espectacularmente bem feita. Mas o climax é sem dúvida o ataque do forte no planeta P, onde um exército reduzido de soldados é atacado por uma horda sem fim de insectos. Imaginem “Alamo” ou “Zulu” multiplicado por mil e têm uma pequena ideia do que é esta cena.
Apoiado pelo excelente director de fotografia alemão, Jost Vacano, parceiro de longa data, Verhoeven filma como se estivesse a fazer uma reportagem de guerra no meio dos soldados, alternando planos largos e curtos, e sempre com uma violência gráfica verdadeiramente gore. Essas cenas demonstram uma mestria visual e técnica impressionantes.
Não posso deixar de falar também na banda sonora da autoria de um compositor infelizmente demasiado raro, Basil Poledouris, mestre do score épico, conhecido sobretudo pela partitura extraordinária de “Conan The Barbarian”. Poledouris faz aqui um muito bom trabalho ilustrando perfeitamente os momentos épicos do filme com uma música poderosa. 

Em conclusão, diria que foi perfeitamente vergonhoso o tratamento que foi reservado a este filme aquando da sua estreia mas como muitas vezes acontece frente a uma obra polémica e complexa, é a incompreensão e a ignorância que prevalecem. Felizmente, a opinião sobre este filme tem evoluído e muitos já o consideram como uma obra incontornável.
Acabo como comecei, Paul Verhoeven é um dos melhores realizadores em actividade (em breve falaremos de mais alguns dos seus filmes) e deu-nos aqui um verdadeiro filme de culto que pode ser visto e revisto vezes sem conta e a cada vez encontraremos mais um aspecto a discutir, sem falar do prazer perverso que temos em ver estas matanças super sangrentas. Para quem não o viu ainda, não percam este filme único, verdadeira bomba cheia de acção e verdadeira reflexão sobre as nossas sociedades modernas. It’s good to die for your country! No, shit!!!

20-03-2004