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sábado

"The New World": elegia da humanidade


Ano: 2005
Realização: Terrence Malick
Argumento: Terrence Malick
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Montagem: Richard Chew, Hank Corwin, Saar Klein e Mark Yoshikawa
Música: James Horner
Elenco: Q’orianka Kilcher, Colin Farrell, Christian Bale, Christopher Plummer, Wes Studi, David Thewlis, Ben Chaplin e John Savage


Receber um filme de Terrence Malick é sempre uma bênção. Este artista, mais do que cineasta ou realizador, é de facto um mistério sem equivalentes na história da 7ª Arte. Com uma carreira começada em 1969, “O Novo Mundo” é apenas a sua quarta longa-metragem e pode-se dizer que as suas três primeiras obras marcaram de tal forma o cinema americano e mundial que Terrence Malick tornou-se simplesmente uma lenda viva.

Um cineasta único

Após os sublimes “Badlands” em 1973 e “Days of Heaven” em 1978, Malick só regressou aos ecrãs de cinema 20 anos depois com a sua obra-prima absoluta, o filme de guerra contemplativo e humano, “The Thin Red Line” (“A Barreira Invisível” em título nacional). Estas três obras mostraram-nos um artista completamente dedicado à arte da imagem, despojado de qualquer veleidade comercial ou simplificativa, capaz de pôr em correspondência as contradições do nosso mundo com uma visão idealizada da natureza, de forma hipnótica e visceralmente emocional. O cinema de Terrence Malick é portanto uma arte pura, descontrutiva em termos estruturais mas nunca destrutiva, bem pelo contrário, é uma reflexão interior não intelectual mas totalmente sensorial que permitirá ao cinéfilo corajoso participar num turbilhão de emoções que só encontrará aqui.


Oito anos depois do seu filme de guerra inesquecível, Terrence Malick volta então com este “Novo Mundo”, impacientemente aguardado por uma horda de discípulos, como sempre a cada novo filme do mestre. “O Novo Mundo” é portanto uma nova versão da muito célebre história da Pocahontas e do seu envolvimento amoroso com o navegador John Smith, em pleno século XVII e as suas descobertas de novos territórios pelos colonizadores britânicos.

Como calculam, Malick não conta esta história conhecida de todos como era de esperar de um filme histórico clássico oriundo do cinema americano. Os que querem ver um filme maniqueísta e previsível sobre os cruéis colonizadores a massacrarem os indígenas e uma história de amor básica entre Pocahontas e John Smith, podem aqui passar ao lado do filme de Malick e rever o desenho animado da Disney “Pocahontas” ou o falhanço “1492: Cristóvão Colombo” de Ridley Scott porque este filme não será de todo para eles. Agora quem quiser participar numa experiência diferente dos cânones rígidos inerentes ao cinema produzido pelos grandes estúdios de Hollywood, prepara-se para viver um momento literalmente inesquecível.

De facto, o cineasta é exigente com o espectador e as suas regras narrativas e visuais não fazem com que seja fácil entrar no seu filme, mas uma vez que isso acontece, o espectador é transportado para o ecrã, fazendo parte integrante do poema humanista que Malick constrói com uma sensibilidade estonteante.

Reencontramos portanto aqui todas as figuras de estilo do realizador: minimalismo dos diálogos, elipses narrativas audaciosas, recurso constante a voz off, rigor perfeccionista da imagem que se aparenta a verdadeiras pinturas em movimento, a natureza como uma das personagens principais. Como habitualmente com Terrence Malick, torna-se difícil explicar um filme como “O Novo Mundo” porque não se parece com nada do que estamos acostumados a ver e não respeita nenhuma das regras básicas utilizadas cinematograficamente para contar uma história. No centro do filme, está o choque de civilizações vivido através da história de amor entre Pocahontas e John Smith. Todos os acontecimentos que poderíamos estar à espera de uma tal história acontecem com a chegada dos ingleses, o primeiro contacto com os nativos, a imersão de John Smith na tribo dos indígenas e a sua paixão nascente por Pocahontas, o conflito inevitável entre colonizadores e nativos, a progressiva colonização deste paraíso terrestre, a fama crescente de Pocahontas e a sua ida para Inglaterra, etc. Mas com Malick atrás das câmaras, estes acontecimentos, que deveriam ser as cenas-chave do filme, transformam-se em cenas anexas, não menos essenciais, que suportam o edifício construído pelo realizador, cujas fundações é que representam o verdadeiro coração do filme.


O humanismo transcendental

Assim, o mais importante e o que nos transporta numa viagem da qual nunca quereríamos regressar são detalhes fundamentais para a nossa implicação emocional: os planos sobre a abundante natureza que envolve os homens, os travellings que seguem as personagens através de campos luxuriantes, os close-ups sobre as caras, as mãos e todos os gestos que ganham mais peso e significado do que qualquer palavra. Como sempre, a direcção de fotografia é essencial nos filmes de Malick porque é ela que dita o estado de espírito de todo o filme e, nesse aspecto, o director de fotografia mexicano Emmanuel Lubezki (“Sleepy Hollow”, “Ali”) fez um trabalho fenomenal que toca todos os nossos sentidos (continua incompreensível Lubezki ter perdido o Óscar a favor da banal fotografia do insosso “Memórias de uma Gueixa”). Não há um plano em que não pareça que estejamos lá a cheirar as flores, a sentir o vento, a presenciar o nascer do sol, a tocar a água. Esta imersão total, de forma quase divina ou espiritual, só um realizador como Terrence Malick é que a consegue.

E é dessa forma, tudo menos intelectualizante contrariamente ao que muitos poderão pensar, que somos levados através deste ensaio naturalista a questionar-nos interiormente sobre o choque de civilizações, o amor impossível de dois seres humanos que tudo separa, a barbaridade dos nossos congéneres, o que fizemos em transformar um paraíso terrestre em cidades de pedra e de betão, a nossa identidade profunda, etc. É aqui que Malick é um artista único na história do cinema porque não faz passar estas questões pelos habituais diálogos ou cenas de acção tradicionais com uma narrativa linear. Malick não faz perguntas, não dá respostas, mostra imagens, compila sons, trabalha olhares e gestos, enaltece as emoções, embebeda os sentidos e deixa-nos sozinhos a contemplar um mundo com as suas contradições, os seus idealismos e as suas fatalidades. “O Novo Mundo” tem mil mensagens, mil interpretações, mil caminhos para além da história de amor e dos factos históricos que aborda, todos em filigrana, subtilmente presentes nos raios de luz que penetram o quadro, nos ramos das árvores que se sobrepõem ao ser humano, nos riachos que devagar percorrem caminhos infinitos.


Terrence Malick é portanto um autor essencial da 7ª Arte que não se limita a fazer filmes bonitos visualmente mas oferece-nos a oportunidade de viver uma experiência sem equivalentes na história do cinema. Nem sempre conseguimos perceber o que sentimos de tão hipnóticas que são as suas imagens e de tão fortes que são as emoções à flor da pele que filma através dos seus actores, sejam eles de carne e osso ou não. Verdade é que, por mais pesados que sejam os temas tocados, saímos sempre profundamente apaziguados de um filme de Malick, como acontece novamente aqui. Após passar por todo o espectro dos sentimentos, é então um sentimento de paz que nos assola como se fosse a natureza que ditasse a sua lei, acabando por se aceitar com naturalidade até os momentos mais tristes.

Como já referimos, não é fácil falar de um filme de Terrence Malick e este “O Novo Mundo” não é excepção. Não existem palavras que consigam traduzir de maneira satisfatória a experiência que se vive através deste filme num grande ecrã, numa sala bem escura e em total comunhão com o poema live entregue de alma e coração por um cineasta deste calibre.

O quarto filme de Terrence Malick não deverá ter muito sucesso, o que não surpreende tendo em conta o pouco caso que faz das regras (a personagem John Smith desaparece a metade do filme e volta só no final, por exemplo), mas quem tiver a coragem de se aventurar numa sala que o projecta, terá uma das melhores prendas do ano e sairá sem dúvida da sala profundamente transformado. Só resta esperar que chegue depressa a versão do realizador, bem mais longa, em DVD. Até lá, deixo os meus amigos pensarem na vida e vou rever umas imagens da fabulosa revelação do filme, a actriz Q’orianka Kilcher, ao som da não menos fabulosa banda sonora de James Horner.

14/05/2006

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