Realização: Sylvester Stallone
Argumento: Sylvester Stallone
Fotografia: Clark Mathis
Montagem: Sean Albertson
Música: Bill Conti
Elenco: Sylvester Stallone, Burt Young, Antonio Tarver, Geraldine Hughes e Milo Ventimiglia
IMDB
O que era feito de Sylvester Stallone? O outrora rei dos filmes de acção cheios de hormonas, grande rival de Arnold “Governator” Schwarzenegger, estava de facto num autêntico limbo desde 1997 onde o tínhamos deixado após um dos seus melhores filmes, e, por conseguinte, uma das suas melhores interpretações, com “Cop Land” policial westerniano de James Mangold no qual Sly até conseguia convencer os seus mais ardentes detractores.
Desde então, o actor conheceu uma travessia no deserto sem precedentes onde uma sucessão de maus filmes e outros particularmente insípidos pareciam-no ter enterrado de vez. “Get Carter”, “Driven”, “D-Tox”, “Avenging Angelo” e outros “Spy Kids 3-D” só podiam dar cabo de uma carreira já por si bastante periclitante com uma série de patentes más escolhas.
De facto, o final dos anos 80 já dava alarmantes sinais de que Stallone tinha-se desviado do portentoso caminho que lhe valeu uma merecida entrada na História do cinema americano. Filmes de acção descerebrados (“Cobra”, “Over the Top”, “Tango & Cash”), comédias assustadoras (“Oscar”, “Stop! Or my Mom Will Shoot”), super-produções sem alma (“Judge Dredd”, “Assassins”, “Daylight”), o fã do actor tinha pouco por onde se agarrar, destacando-se apenas um “Lock Up” de John Flynn tenso e eficaz ou ainda um “Cliffhanger” de Renny Harlin discutível mas altamente jubilatório. Nem a evolução das franchises que fizeram o seu renome, “Rocky” e “Rambo”, se revelaram satisfatórias, caindo num evidente exagero e traduzindo uma megalomania cada vez mais crescente.
O que era feito de Sylvester Stallone? O outrora rei dos filmes de acção cheios de hormonas, grande rival de Arnold “Governator” Schwarzenegger, estava de facto num autêntico limbo desde 1997 onde o tínhamos deixado após um dos seus melhores filmes, e, por conseguinte, uma das suas melhores interpretações, com “Cop Land” policial westerniano de James Mangold no qual Sly até conseguia convencer os seus mais ardentes detractores.
Desde então, o actor conheceu uma travessia no deserto sem precedentes onde uma sucessão de maus filmes e outros particularmente insípidos pareciam-no ter enterrado de vez. “Get Carter”, “Driven”, “D-Tox”, “Avenging Angelo” e outros “Spy Kids 3-D” só podiam dar cabo de uma carreira já por si bastante periclitante com uma série de patentes más escolhas.
De facto, o final dos anos 80 já dava alarmantes sinais de que Stallone tinha-se desviado do portentoso caminho que lhe valeu uma merecida entrada na História do cinema americano. Filmes de acção descerebrados (“Cobra”, “Over the Top”, “Tango & Cash”), comédias assustadoras (“Oscar”, “Stop! Or my Mom Will Shoot”), super-produções sem alma (“Judge Dredd”, “Assassins”, “Daylight”), o fã do actor tinha pouco por onde se agarrar, destacando-se apenas um “Lock Up” de John Flynn tenso e eficaz ou ainda um “Cliffhanger” de Renny Harlin discutível mas altamente jubilatório. Nem a evolução das franchises que fizeram o seu renome, “Rocky” e “Rambo”, se revelaram satisfatórias, caindo num evidente exagero e traduzindo uma megalomania cada vez mais crescente.
Uma ressureição inesperada
Por essas razões, o regresso de Sylvester Stallone, à frente e atrás das câmaras, à figura do Rocky Balboa, esse ícone do pugilismo cinematográfico que marcou o inconsciente colectivo, acarreta um significado que, como o veremos, ultrapassa em muito os limites do grande ecrã.
Se pensarmos bem, ver o actor italo-americano fazer um sexto episódio da saga “Rocky” aos 60 anos faz todo o sentido. A personagem de Rocky Balboa é que fez a fama de Sylvester Stallone e as similitudes entre essas duas figuras carismáticas são mais do que óbvias. Aliás, podemos ver a saga “Rocky” como um reflexo da carreira de Stallone com o primeiro filme que simboliza a revelação (a personagem no filme/o actor na realidade), o segundo filme a consagração, o terceiro filme os problemas de ser uma estrela, o quarto a megalomania completa e o quinto a queda após ter chegado às cimeiras. Este sexto filme não é uma excepção e faz mais uma vez o apanhado do que representa neste momento a carreira de Sylvester Stallone.
“Rocky Balboa” não podia portanto falar de outra coisa do que da travessia do deserto vivido por Stallone nos últimos dez anos, da condição de has been em que a sua imagem irremediavelmente se transformou. Por isso, o filme é um regresso às origens e não é. É porque a sua estrutura, a sua produção e a nostalgia que impregna toda a metragem fazem pensar no primeiro filme da saga, o único verdadeiro filmaço da série até aqui. E não é porque neste momento Stallone não tem rigorosamente nada a provar a ninguém, somente a ele próprio e aí reside toda a diferença. O primeiro filme representava o grito do coração de um jovem actor à procura de reconhecimento mas este sexto filme existe para se provar a ele próprio que finalmente a chama que o animava desde os primórdios continua acesa e bem acesa.
Toda a força deste “Rocky Balboa”, o que faz dele um grande filme, de longe o melhor da saga desde o “Rocky” de 1976, resume-se a esse sentimento de introspecção e lucidez que resulta no ecrã numa comovente vontade de se pôr a nu para comungar de forma desajeitada mas tão generosa e sincera (à imagem da personalidade de Rocky/Stallone) com os espectadores que o acompanharam desde o início até agora, nos bons momentos como nos maus.
Por essas razões, o regresso de Sylvester Stallone, à frente e atrás das câmaras, à figura do Rocky Balboa, esse ícone do pugilismo cinematográfico que marcou o inconsciente colectivo, acarreta um significado que, como o veremos, ultrapassa em muito os limites do grande ecrã.
Se pensarmos bem, ver o actor italo-americano fazer um sexto episódio da saga “Rocky” aos 60 anos faz todo o sentido. A personagem de Rocky Balboa é que fez a fama de Sylvester Stallone e as similitudes entre essas duas figuras carismáticas são mais do que óbvias. Aliás, podemos ver a saga “Rocky” como um reflexo da carreira de Stallone com o primeiro filme que simboliza a revelação (a personagem no filme/o actor na realidade), o segundo filme a consagração, o terceiro filme os problemas de ser uma estrela, o quarto a megalomania completa e o quinto a queda após ter chegado às cimeiras. Este sexto filme não é uma excepção e faz mais uma vez o apanhado do que representa neste momento a carreira de Sylvester Stallone.
“Rocky Balboa” não podia portanto falar de outra coisa do que da travessia do deserto vivido por Stallone nos últimos dez anos, da condição de has been em que a sua imagem irremediavelmente se transformou. Por isso, o filme é um regresso às origens e não é. É porque a sua estrutura, a sua produção e a nostalgia que impregna toda a metragem fazem pensar no primeiro filme da saga, o único verdadeiro filmaço da série até aqui. E não é porque neste momento Stallone não tem rigorosamente nada a provar a ninguém, somente a ele próprio e aí reside toda a diferença. O primeiro filme representava o grito do coração de um jovem actor à procura de reconhecimento mas este sexto filme existe para se provar a ele próprio que finalmente a chama que o animava desde os primórdios continua acesa e bem acesa.
Toda a força deste “Rocky Balboa”, o que faz dele um grande filme, de longe o melhor da saga desde o “Rocky” de 1976, resume-se a esse sentimento de introspecção e lucidez que resulta no ecrã numa comovente vontade de se pôr a nu para comungar de forma desajeitada mas tão generosa e sincera (à imagem da personalidade de Rocky/Stallone) com os espectadores que o acompanharam desde o início até agora, nos bons momentos como nos maus.
Sense and sensibility
Assim, duas cenas do filme dão-nos as chaves para entender as intenções do actor/realizador e para conceber como este funciona tão bem e bate tão forte no espectador. A primeira resume-se a um diálogo quando o seu adversário Mason “The Line” Dixon (Antonio Tarver, verdadeiro campeão de boxe) lhe diz para desistir porque não tem qualquer hipótese ao que Rocky responde: “It ain’t over ‘til it’s over”. Num tom de gozo, Dixon replica que essa frase deve vir dos anos 80 e Rocky diz: “não, é mais os anos 70!”. Aqui está, passaram 30 anos e as coisas não mudaram tanto assim, os valores que eram o motor de Rocky/Stallone estão intactos sem que nenhum dos diversos obstáculos que teve de atravessar ao longo da sua carreira (seja pugilismo, seja cinema) o tenham deitado abaixo.
E a inteligência de Stallone, impedindo essa confissão cinematográfica de cair no auto-miserabilismo e no cinismo abjecto, é precisamente nunca esquecer os espectadores que fizeram dele o que ele é. A segunda cena que referíamos traduz esse aspecto sem equívocos e da forma mais genuína possível: no genérico final, Stallone filma pessoas comuns, das mais diversas possíveis (adultos, crianças, velhos, jovens, homens, mulheres, todas as cores de pele, etc.) a reproduzir a cena mítica da subida das escadas ao som da não menos mítica música de Bill Conti. “Rocky” é isso, todos nós somos um pouco desse ícone e a personagem é um pouco de todos nós.
Essa relação íntima com o espectador, que é já há muito tempo do domínio do inconsciente, permite a Sylvester Stallone transcender por completo o seu filme e as suas figuras impostas que marcam presença em todos os filmes da saga. O treino, o combate final, as personagens recorrentes como Paulie, os desabafos de Rocky, tudo poderia ser mais do mesmo mas extraordinariamente tudo tem um sabor diferente ao mesmo tempo que reactiva as nossas sensações passadas. Se Stallone consegue marcar uma evolução nesta velha receita é porque nunca oculta a sua condição actual, ou seja, a velhice, a condição de has been, a falta de fé das pessoas à sua volta, a troça da qual é objecto, etc.
Em termos temáticos e estéticos, Stallone quase actua em território eastwoodiano com a presença constante da morte ao longo do filme (a personagem da sua mulher Adrian, apesar de morta, nunca esteve tão presente), com a sua própria velhice como principal motor da narração ou ainda com alguns planos altamente evocatórios como o jogo de luzes da carrinha atrás de um Rocky em pleno reencontro com o passado na antiga pista de patinagem onde seduziu Adrian.
Assim, duas cenas do filme dão-nos as chaves para entender as intenções do actor/realizador e para conceber como este funciona tão bem e bate tão forte no espectador. A primeira resume-se a um diálogo quando o seu adversário Mason “The Line” Dixon (Antonio Tarver, verdadeiro campeão de boxe) lhe diz para desistir porque não tem qualquer hipótese ao que Rocky responde: “It ain’t over ‘til it’s over”. Num tom de gozo, Dixon replica que essa frase deve vir dos anos 80 e Rocky diz: “não, é mais os anos 70!”. Aqui está, passaram 30 anos e as coisas não mudaram tanto assim, os valores que eram o motor de Rocky/Stallone estão intactos sem que nenhum dos diversos obstáculos que teve de atravessar ao longo da sua carreira (seja pugilismo, seja cinema) o tenham deitado abaixo.
E a inteligência de Stallone, impedindo essa confissão cinematográfica de cair no auto-miserabilismo e no cinismo abjecto, é precisamente nunca esquecer os espectadores que fizeram dele o que ele é. A segunda cena que referíamos traduz esse aspecto sem equívocos e da forma mais genuína possível: no genérico final, Stallone filma pessoas comuns, das mais diversas possíveis (adultos, crianças, velhos, jovens, homens, mulheres, todas as cores de pele, etc.) a reproduzir a cena mítica da subida das escadas ao som da não menos mítica música de Bill Conti. “Rocky” é isso, todos nós somos um pouco desse ícone e a personagem é um pouco de todos nós.
Essa relação íntima com o espectador, que é já há muito tempo do domínio do inconsciente, permite a Sylvester Stallone transcender por completo o seu filme e as suas figuras impostas que marcam presença em todos os filmes da saga. O treino, o combate final, as personagens recorrentes como Paulie, os desabafos de Rocky, tudo poderia ser mais do mesmo mas extraordinariamente tudo tem um sabor diferente ao mesmo tempo que reactiva as nossas sensações passadas. Se Stallone consegue marcar uma evolução nesta velha receita é porque nunca oculta a sua condição actual, ou seja, a velhice, a condição de has been, a falta de fé das pessoas à sua volta, a troça da qual é objecto, etc.
Em termos temáticos e estéticos, Stallone quase actua em território eastwoodiano com a presença constante da morte ao longo do filme (a personagem da sua mulher Adrian, apesar de morta, nunca esteve tão presente), com a sua própria velhice como principal motor da narração ou ainda com alguns planos altamente evocatórios como o jogo de luzes da carrinha atrás de um Rocky em pleno reencontro com o passado na antiga pista de patinagem onde seduziu Adrian.
Particularmente lúcido e inscrevendo o seu filme num paralelo de uma límpida evidência com o que tem vivido na realidade, Stallone transformou o que se esperava que fosse mais um filme oportunista numa obra emocionalmente carregada que acaba por representar o melhor adeus imaginável de um ícone cinematográfico e simultaneamente o come-back inesperado de uma estrela caída em desgraça. Num combate final ao qual assistimos envolvidos como nunca, é uma verdadeira ressurreição que somos convidados a presenciar de lágrima no olho, culminando numa saída de ringue de cabeça erguida e com o sentimento que o círculo está fechado como deveria ser. “It ain’t over ‘til it’s over”!
18/02/2007
18/02/2007
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