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sábado

"Day of the Dead": the meaning of gore


Ano: 1985
Realização: George A. Romero
Argumento: George A. Romero
Fotografia: Michael Gornick
Montagem: Pasquale Buba
Música: John Harrison
Elenco: Lori Cardille, Terry Alexander, Jarlath Conroy, Joseph Pilato, Sherman Howard e Richard Liberty
IMDB


Depois do enorme sucesso que “Dawn of The Dead” conseguiu, era de esperar que as produtoras tivessem mais fé em George A. Romero. Contudo, quando chegou a altura de investir num novo projecto seu, os resultados foram os mesmos, recusas atrás de recusas. Mas, como sempre, Romero prefere realizar um filme com pouco dinheiro do que vender a sua liberdade de criação à indústria cinematográfica.

É assim que assina um filme que, devido a um aspecto mais intimista que o antecessor, lhe valeu algumas críticas injustas por parte do público, mas que é uma das obras mais estrondosas deste género e aquela que o autor mais gosta.

Contudo, e conhecendo um pouco mais do historial deste filme, torna-se mais compreensivo e também mais valor é atribuído ao terceiro manifesto de George A. Romero, o mestre que abriu as portas ao filme do género e graças a quem tivemos direito a um remake de "Dawn of the Dead – O Renascer dos Mortos”, a um filme que em muito homenageia aquele que foi o pai do género, “28 Days Later”, ou ainda à paródia séria que é “Shaun of The Dead”.


Sete semanas debaixo de terra

Romero havia escrito um argumento que se vislumbrava ser algo muito criativo e que iria, sem dúvida, ainda marcar mais a sua filmografia. Porém, quando começou a planificar o seu filme apercebeu-se de que iria necessitar de um budget de 6,5 milhões de dólares, para uma obra que teria, com toda a certeza, uma classificação para maiores de 18: Romero tinha um problema!

O argumento seria, segundo o próprio realizador, uma releitura do primeiro “Indiana Jones”, onde numa cena inicial éramos levados para uma estância balnear, deserta de humanos, sendo que os zombies eram os donos do território. Um barco cheio de guerrilheiros atracava em busca de sobreviventes e deparar-se-ia com uma horda de zombies, imediatamente começaria a chacina a sério. Depois da matança, apenas três guerrilheiros sobreviveriam, escapariam para o meio de uma floresta onde encontrariam um bunker e aí começaria a história.
Essas cenas seriam provavelmente um delírio puro e levariam Romero para um patamar muito alto, mas uma vez mais devido à falta de crédito e falta de investimento em artistas sérios, Romero teve de desistir dessa ideia, ou então faria um filme que pudesse ter a classificação ‘R’ (onde os menores podem ir se acompanhados de alguém responsável), sabendo que isso significaria menos liberdade. Romero fez a sua escolha.

Mas o que verdadeiramente diferenciaria este argumento daquele que conheceu a luz do dia seria, sem dúvida, a crítica mais acentuada à sociedade. Esta seria composta por três castas: na base da pirâmide tínhamos os humanos básicos, que viviam num exterior completamente dominado pelos zombies, um antro de perversão sexual. Seriam também usados para alimentar os zombies que serviam de ratos de laboratório aos cientistas, que compunham o meio da pirâmide. Sendo que o topo era constituído pelos militares, que também usavam o zombies mas para formar um exército, denominado de Red Coats, ensinando-os a usar armas de fogo.
Toda a tensão seria construída no sentido de culminar num final apocalíptico, algo que verdadeiramente nos dá vontade de ver. Contudo, só podemos tentar visualizar as imagens que o realizador nos reservaria, cheias de morte, gore, introspecção e crítica.


Assim sendo, e como era esperado, as produtoras recusaram financiar um projecto como esse, dando apenas um aval para 3,5 milhões. Vencido mas não derrotado, Romero começa a limar alguns aspectos do seu guião, para poder caber mais no orçamento. Mas às voltas com as cenas, sempre com as mesmas personagens, Romero não consegue fazer baixar o preço, passando a ter um projecto de 4,7 milhões. Não havia outra solução senão recomeçar a partir do zero!

É assim que nasce um novo argumento, que mantendo algumas questões similares não deixa, contudo, de mudar em muito a acção do filme. Começando com a mesma cena inicial, apesar de não termos os guerrilheiros e, por conseguinte, não termos a matança, seguimos para o bunker, onde conheceremos as personagens. Aí temos também as três castas, mas que são muito menos cruéis do que o argumento inicial previa, tivemos, contudo, direito a um filme muito mais pessimista.

Um outro facto que este projecto tem de interessante é o de ter sido inteiramente rodado, durante as suas sete semanas, numa antiga mina, que na altura era usada como arquivo de documentos do Governo. A equipa esteve constantemente enclausurada durante a rodagem do filme dentro do local, que devido às condições húmidas e à falta de luminosidade provocou, na equipa inteira, uma série de doenças. Uns a seguir aos outros, todos foram contagiados e acabaram por ir parar à cama, o que acabou por ajudar na cumplicidade e fraternidade de toda a equipa, além de ter ajudado em muito o realizador a conseguir criar o ambiente de tensão, apreensão e enclausuramento necessários ao enredo.

Aqui ficaram mais umas provas de como toda e qualquer adversidade pode ser usada em favor do bem, o simples facto de se querer algo deve sempre ser usado como um adjuvante em caso de contrariedades. Querer é poder, se não acreditam vejam o percurso das obras dos mortos-vivos deste realizador.

O culminar de uma evolução

Como não poderia deixar de ser com este “Day of The Dead”, George Romero conseguiu alcançar um desenvolvimento natural na sua trilogia onde os mortos-vivos, a técnica, a História e os efeitos especiais encontram o espaço para ganhar definitivamente a forma que o mestre pretendia.

Desde o seu primeiro filme “Night of The Living Dead”, nunca foi necessário explicar quem eram os zombies, de onde vinham, nem o que pretendiam. Assim, neste seu terceiro filme, os mortos-vivos, metáfora de uma nova sociedade que substitua a nossa em decadência, estão a dominar o espaço terreno do planeta, eles são a espécie dominante, são eles quem têm direito a ver a luz do dia, pois os humanos vivem escondidos no subsolo.

É nesse espaço pequeno, escondidos debaixo da terra, que os humanos andam a procurar descobrir uma forma de vencer os zombies. Um grupo de cientistas vive sob a guarida de uma equipa de militares, que comandam as operações de uma forma muito pouco convencional. Para as pesquisas dos cientistas, os militares têm uma pequena “cultura” de zombies que mais cedo ou mais tarde vai dar que falar. Apesar de ser sempre o tema central neste filme, o morto-vivo é quase colocado em segundo plano, nunca noutro dos filmes o humano teve tanto tratamento como aqui.


Nesta sua obra, Romero deixou bem claro o que pretendia com a sua trilogia, assinando um filme mais introspectivo do que até então, onde o zombie quase que sai como “herói” da história. Se ao longo dos tempos Romero foi fazendo as suas criaturas evoluírem, é aqui que o espectador finalmente vê o perigo que o zombie pode efectivamente ser. Apoiado por uma figura ainda humana, Bub (Sherman Howard) vai aos poucos recordando a sua vida de vivo e, à medida que isso acontece, o zombie vai-se transformando numa ameaça muito perturbadora, o pior é que não passa de uma criação de um homem. Obviamente que as referências constantes ao Frankenstein não são despropositadas, Bub torna-se mesmo na criatura inventada pelo Dr. Logan, que tão sabiamente é chamado pelos colegas de Dr. Frankenstein.

Sem dúvida, Romero traz de volta essa personagem mítica e, juntamente com outros factores, reinventa para todo o sempre a figura do zombie colocando-o num novo patamar do género. A partir de “Day of The Dead”, os zombies deixarão de ser meras criaturas em busca de comida para passarem a ser como a criatura de Frankenstein de Mary Shelley.

Construindo um ambiente de constante pressão e mau estar, não só pelas personagens serem inconstantes e rivais umas das outras, mas também pelo espaço que os envolve, Romero instala o clima necessário para tecer a sua crítica, mostrar os seus zombies e, claro, realizar mais uma obra-prima do género.

O espaço subterrâneo não foi de certeza escolhido ao acaso, um bunker foi a forma mais directa que Romero encontrou de nos mostrar o medo que em plenos anos 80 vivíamos de um ataque nuclear. Indo ainda mais longe, Romero mostra como os humanos conseguem ser eles próprios os criadores dos seus medos. Bub, o zombie amestrado, e toda a pesquisa que os cientistas realizam sob a alçada dos militares, representam a própria descoberta e criação da bomba nuclear. O facto, muitas vezes mencionado pelo Capitão Rhodes (Joseph Pilato), de que os zombies ali mantidos representam um perigo para a comunidade que vive no bunker não deixa de ser evidência de uma chamada de alerta, reveladora também do bom senso que esta personagem, por vezes, tem.

E toda essa consternação sobre o que se está a criar é mostrada por Romero de uma forma muito singular. Caracterizando todas as personagens de forma ambígua, que balanceiam entre o razoável e o confuso, onde nenhuma representa o bem e o mal, o realizador vai tecendo a sua teia para apanhar todos aqueles problemas que ele, muito bom observador, conseguiu captar daquela década.


Sarah (Lori Cardille) é a personagem com que o espectador se identifica, é ela que nos conduz durante o filme. Vivendo no constante terror de ser invadida pelos mortos-vivos, o que os seus sonhos traduzem muito bem, acaba por ser obrigada a ser a mais forte de todos, mantendo a sua força na esperança de encontrar a salvação para acabar com os zombies. Ela é idealista mas quando o cerco aperta e se vê em vias de ficar sem o seu “amor”, torna-se prática, amputando, sem pensar duas vezes, o braço infectado. Sarah representa, indubitavelmente, uma parte boa que ainda resta dos humanos, segundo Romero. Para contrastar com esta personagem temos a versão alienada do Dr. Logan que se torna num monstro maquiavélico, mas que consegue alcançar resultados práticos, discutíveis, mas práticos. Ele é, sem dúvida, a justificação de "não olhar a meios para atingir os fins", outra faceta muito comum no homem.

Além destes, temos John (Terry Alexander) e William (Jarlath Conroy) que mantendo-se à parte de tudo acabam por se salvar, referência necessária, uma vez mais, para a personagem mais sensata que é, outra vez, de cor. É desta forma que estes dois trazem a parte de sobrevivência que temos. Sejam quais forem as personagens tratadas e o que elas representam, Romero não deixa de nos dar uma visão muito pessimista do ser humano, justificando então porque é que são eles que devem ser mantidos debaixo da terra e não os mortos-vivos, que vagueiam e dominam o espaço terreno.

O festival do gore

Para atingir o máximo da crueldade visceral pretendida, o realizador convoca novamente Tom Savini, que atinge a redenção do seu trabalho com próteses e maquilhagens geniais. Se até aqui o artista estava insatisfeito com o seu trabalho, depois deste filme pode perfeitamente orgulhar-se de ter contribuído em muito para a obra-prima que estes filmes compõem.

Na verdade, só neste terceiro filme podemos ver a degradação natural que esses zombies, que nos acompanham desde o início, conseguiram alcançar. Apesar dos zombies do exterior só se verem no início e no final, é suficiente para aparecerem descompostos, sem algumas partes da cara, com uma cor mais escura, natural da decomposição.
Além dos zombies, somos também brindados com os próprios militares que depois de mortos servem de instrumentos de investigação, e, assim, é um desfilar de cenas gores do mais lindo que há. Uma cabeça cheia de instrumentos macabros, um corpo aberto ao meio, vísceras atrás de vísceras espalhadas por todo o lado, note-se que até ao final do filme não são os zombies os causadores de tais imagens gore, bem pelo contrário, os zombies são meros instrumentos em mãos de humanos sem princípios nem escrúpulos.

Porém, só no final, em que Miguel abre as portas, numa tentativa louca de união entre humanos e zombies, é que podemos saborear Savini em acção. Corpos a serem dilacerados por mortos-vivos famintos, caras a serem estilhaçadas por mãos carnívoras, humanos em pânico a tentarem sobreviver.

Sem dúvida que este “Day of The Dead” é o culminar de uma evolução natural de três obras que se compõem num todo. Os zombies vão ganhando espessura, carga psicológica e assumem um papel menos monstruoso; as caracterizações, tanto das personagens, como das histórias e até dos espaços, ganham espessura e acarretam maior importância do que esperado num filme tão gore e, claro, Romero vai conseguindo subir cada vez mais no seu estatuto de criador e reinventor do género em constante análise e mudança.

Com estas perspectivas, foi uma tortura esperar pelo “Land of The Dead”, uma obra que só poderá vir ainda mais fazer crescer as anteriores. O único senão será talvez o budget envolvido, que continua a ser uma ninharia para aquilo que se faz hoje, veja-se por exemplo o remake “Dawn of the Dead – O Renascer dos Mortos” que teve um budget mais alto que os quatro filmes juntos, este aumento pode querer dizer que teremos menos gore. Porém, a fé neste realizador é muita e mesmo uma má obra sua não deverá com certeza querer dizer uma má obra como “Resident Evil: Apocalipse”.


Por falar em más obras, não deixa de ser curioso como “Day of The Dead” foi considerado um menor filme de George Romero. Apenas alguns fãs incondicionais conseguiram passar a barreira e ver como a sua última obra era, quase sem dúvida nenhuma, a sua melhor da trilogia, sendo esta também a opinião do autor.

Tendo tido os problemas que já mencionámos para conseguir o financiamento pretendido, o filme acabou por estrear e conseguir na sua primeira semana de estreia, só em Nova Iorque, 825.000 dólares. Talvez devido a ter tido como concorrente um sequela não oficial de “Night of the Living Dead” (como já sabem este filme era livre de direitos e por isso houve muitos filmes desse género sem que Romero recebesse um tostão), que acabou por estrear no mesmo ano.

Essa sequela, “The Return of the Living Dead”, havia sido inicialmente uma proposta para Romero, mas foi parar às mãos do argumentista do primeiro “Alien”, Dan O’Bannon, que o acabou por realizar também, assinando uma comédia que acabará por influenciar o público aquando da estreia do filme de Romero. A sequela rendeu 14 milhões enquanto o outro apenas rendeu 6 milhões, um bom exemplo de como as obras com valor, muitas vezes, acabam por ser chacinadas por outras comerciais. Um “fracasso” que marcou profundamente o realizador e fez com que este estivesse duas décadas sem assinar um filme de zombies.

Todavia e apesar de toda a crítica negativa ao filme, “Day of the Dead” conseguiu o seu estatuto de culto e assim, acabou por forçar os críticos a dar o devido valor a uma obra que tem tanto de inovadora como de bela.

31-08-2005 (autoria de Shin Tau)

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